terça-feira, 26 de maio de 2009

um olhar sobre liderança



Especialista americano diz que governante todo país tem. Já os líderes de verdade são exemplos raros de ver no poder
O cientista político americano Fred Greenstein, 72 anos, diretor do centro de pesquisas em lideranças políticas da Universidade Princeton, é um dos maiores especialistas no mundo da psicologia do poder. No último de seus cinco livros sobre o assunto, The Presidential Difference: Leadership Style from FDR to Clinton (Diferenças Presidenciais: a Liderança de Roosevelt a Clinton), Greenstein disseca as qualidades e o estilo de onze ex-governantes dos Estados Unidos.
Em sua pesquisa, ele mostra que a liderança é uma qualidade de nascença. Alguns líderes, no entanto, só apresentam essa vocação quando enfrentam uma situação-limite. Greenstein gosta de citar o exemplo do ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, considerado uma figura sem carisma até os ataques terroristas ao World Trade Center. Depois do episódio, Giuliani revelou-se um líder forte e popular.
Nesta entrevista, Greenstein fala sobre os líderes mais marcantes da história, como Winston Churchill e Nelson Mandela, e diz que governantes populistas como Getúlio Vargas teriam pouco espaço nos dias de hoje.
– Liderança é qualidade de nascença?
Greenstein – Sim, a liderança é um aspecto da personalidade, uma característica que alguns indivíduos têm e outros não. Isso não quer dizer que essa qualidade vá aparecer desde cedo. Existem os líderes que chamo de óbvios porque na infância ou na juventude já se colocavam à frente do grupo de pessoas com quem se relacionavam. Eles apresentam características da liderança muito evidentes, como Franklin Roosevelt, por exemplo. Moisés foi um líder bíblico com uma vocação clara, assim como o general romano Júlio César. Os estudos sobre o assunto mostram, no entanto, que homens que jamais se destacaram na liderança podem se tornar grandes líderes quando o ambiente ou o contexto histórico em que vivem são favoráveis a isso. Se não fosse a oportunidade, eles poderiam passar sua existência sem desenvolver essa qualidade com que nasceram, mas da qual não tinham sequer consciência.
– Então qualquer pessoa pode descobrir que tem vocação para ser líder de uma hora para outra?
Greenstein – Há pessoas que são mais apagadas, sem sal, ou que aparecem como figuras antipáticas e arrogantes. Aí, de repente, num ponto da vida, se vêem forçadas a enfrentar uma situação-limite, uma crise de altas proporções, e se revelam líderes brilhantes. Digo que as situações críticas são um teste à liderança. Olhe o caso de Rudolph Giuliani. Ele era prefeito de Nova York quando desabaram as torres do World Trade Center. Antes dos ataques, Giuliani era controverso na cidade, tido como um político hostil e agressivo, sem popularidade. No fim do mandato, ele viu-se com a responsabilidade de organizar um caos e virou outro tipo de governante: enérgico, focado, bom de discurso, popular – genuínas características da liderança que ele próprio nunca tinha sido capaz de identificar.
– É possível governar sem ser líder?
Greenstein – Por definição, governantes estão oficialmente em posição de liderança. Essa é a definição dos dicionários de ciências políticas, mas na prática do poder a maioria deles toma muito poucas iniciativas. O tipo mais comum de governante é aquele que reage aos fatos, e não o que cria novas situações, planeja estratégias e consegue enxergar um passo adiante. Ou seja: a maioria dos que ocupam cargos de líder não atua como tal. Os líderes de fato, muito mais raros, são bem recompensados. Conseguem manter-se no poder durante mais tempo que os outros e a história lhes confere o status de modelos desejáveis, em alguns casos símbolos de correntes políticas que se perpetuam. Dois líderes do tipo forte foram Nelson Mandela e Winston Churchill, e dois entre os menos expressivos foram George Bush (pai do atual presidente americano) e John Major, ex-primeiro-ministro britânico.
– Quais são as características que diferenciam esses líderes que o senhor citou?
Greenstein – Há muitos tipos de líder, e gosto de destacar três. A primeira categoria é dos líderes que marcam diferença por ser grandes estrategistas, objetivos e com visão de futuro. O legado deles é o método. O segundo tipo tem forte poder intelectual, mergulha com intensidade nas questões teóricas, disseca e diagnostica problemas como ninguém. São líderes que deixam idéias originais, com marca própria. E um terceiro tipo chamo de líderes inspiradores. Eles entendem as demandas do povo, suas paixões, conseguem associar-se emocionalmente às pessoas. Os maiores líderes da história têm força porque reúnem método, intelecto e a habilidade de tocar no sentimento de seus liderados.
– Carisma não é condição necessária à liderança?
Greenstein – Essa idéia é bastante propagada, mas a realidade é que falta carisma a muitas pessoas que ocupam a cadeira de líder. John Major era motivo de piada nos círculos do poder porque dava sono nos interlocutores e, no entanto, virou primeiro-ministro inglês. É possível passar uma temporada no poder, em postos importantes inclusive, sem ter o carisma como qualidade. De modo geral, esses políticos deixam os holofotes e são rapidamente esquecidos. Já os líderes carismáticos são mais fortes e poderosos porque têm a habilidade de deixar as pessoas a sua volta hipnotizadas, prontas para segui-los e para se sacrificar em nome de objetivos que sentem ser também os delas. O carisma é um aspecto do poder que ajuda a distinguir um líder da melhor estirpe de um político comum.
– O poder no século XXI ficou mais sofisticado?
Greenstein – Sem dúvida. A começar pelo aspecto puramente visual. Sempre quando assisto aos documentários sobre os grandes líderes populistas do passado, como Juan Domingo Perón e Getúlio Vargas, parecem fora de moda, de tempo e espaço. Eles conseguiram estabelecer um eficiente elo emocional com o povo, mas seu gestual é hoje pouco persuasivo, difícil de convencer. Sinto que estou vendo uma peça de atores canastrões, com diálogos rasteiros e sem profundidade. Esse tipo de discurso pouco elaborado está em extinção. Hoje, quanto mais avançada é a democracia em um país, menos o seu povo se deixa seduzir por argumentações superficiais e pouco elaboradas.
– O diploma escolar ajuda?
Greenstein – Estudo não é pré-requisito para a boa liderança, como o são o método, a inteligência ou a sensibilidade. Claro que é positivo. Quem estuda adquire mecanismos para organizar melhor as idéias e evidentemente aumenta o repertório de referências históricas e culturais. É um patrimônio pessoal importante, mas não imprescindível. Até porque é possível preencher as lacunas deixadas pela falta do estudo formal com leitura ou mesmo com uma boa rede de informação. O que não dá é ensinar alguém a ter magnetismo ou inteligência para liderar.
– Entraram novas habilidades no conjunto de pré-requisitos que um líder precisa reunir?
Greenstein – Sim. O tipo de inteligência que um líder deve ter hoje é muito mais analítica, porque o mundo está mais complexo, cheio de variáveis, interligado por relações políticas e econômicas. Então não basta concentrar informação e juntar a com b. Hoje um líder acorda todo dia diante de centenas de possibilidades e precisa estar preparado para tomar suas decisões com extrema solidez emocional. Nas democracias modernas, habilidade política é um pré-requisito absolutamente essencial. Um líder não sobrevive sem isso.
– É mais difícil ser um líder democrático ou um ditador?
Greenstein – Um líder democrático, claro. O líder democrático não só lida com o processo decisório, mas também precisa convencer pessoas com interesses antagônicos de que suas metas são factíveis e desejáveis. Isso exige talento para a liderança. Com os ditadores a coisa é diferente, porque a eles só é colocada a primeira parte do problema, que é decidir. O resto é feito na base de ordens, o que demanda muito menos habilidade política. Há ditadores como Fidel Castro e os governantes no continente africano que, apesar de sua longa temporada no poder, não conseguiriam ser eficientes líderes em nações democráticas. O mesmo se aplica a Hitler e Mussolini, que ganharam espaço num tempo e lugar da história.
– Em seus estudos, o senhor se refere à importância da presença física de um líder. A aparência conta muito?
Greenstein – O que faz diferença é ter uma presença forte. A beleza e o charme são atributos que podem vir associados a isso e funcionar bem. O caso de John F. Kennedy é um clássico exemplo de como a mistura pode ser bem-sucedida. Na eleição que disputou com Richard Nixon, em 1960, quem ouvia os dois debatendo no rádio achava Nixon muito mais convincente. Aí veio o debate na televisão, e um Kennedy bonitão e seguro contrastou com um Nixon cinzento, recém-saído do hospital e com a aparência debilitada. Gosto de frisar os vários exemplos em que a beleza não entra em questão e só o que conta é a solidez da imagem. A história é farta em casos de políticos feios e atarracados que quando apareciam em público tinham uma presença tão forte que o público não conseguia desgrudar os olhos deles.
– Quem o senhor citaria?
Greenstein – Winston Churchill é um bom exemplo. Estava longe de ter uma aparência hollywoodiana, mas para os ingleses sua imagem transmitia tenacidade, determinação. Na França do século XIX, quem olhasse para Napoleão jamais diria que aquele homem fisicamente inexpressivo adquiriria uma aparência tão forte e marcante no exercício do poder. A boa aparência pode ajudar, como mostra o exemplo de Kennedy, mas o que mais conta é a postura diante dos liderados, o que nos revelam os casos de Churchill e Napoleão. Acho que os homens que hoje fazem marketing político estão centrados demais na aparência. Aprimoraram suas técnicas de manipulação da imagem, mas estão tão animados com suas descobertas que ainda não se deram conta de que os exageros podem atrapalhar.
– Como?
Greenstein – A interferência pode resultar em uma imagem artificial e o efeito ser negativo. Durante os oito anos em que Hillary Clinton desempenhou o papel de primeira-dama dos Estados Unidos, foi muito criticada, e uma das razões para isso era sua notória preocupação com a aparência, identificada como um traço de superficialidade. Toda semana Hillary vinha a público com um novo penteado. Atualmente, como senadora, ela aprendeu a se desvencilhar desse glamour. Mantém uma imagem só e, por ironia, foi desse jeito que ficou mais apresentável. O excesso de intervenção na imagem natural pode produzir um desagradável efeito bumerangue, que se volta contra o próprio político. Isso acontece porque o público já está educado o suficiente para detectar a insinceridade. No exercício do poder, o político se refina e aprende a equilibrar essas coisas.
– Quais são as características que os bons líderes têm em comum?
Greenstein – Por definição, bons líderes são pessoas diferentes da média. Eles têm mais determinação que os outros. São mais eloqüentes que os outros. Sua presença é tão marcante que ficam na memória das pessoas. O gestual ajuda. Bons líderes costumam ter gestos largos e até teatrais. Usam as palavras com precisão cirúrgica, sabendo aonde querem chegar com um discurso. Gosto de sublinhar que a determinação não está associada necessariamente à permanente agressividade de postura. É bom lembrar que o trunfo de alguns líderes, como Kennedy, foi saber sorrir para seus liderados. Nenhum líder do primeiro time, no entanto, passou pelo poder sem precisar atuar de modo agressivo inúmeras vezes. Por isso a liderança não é para qualquer um, é um dom.
– Até que ponto uma pessoa pode desenvolver algumas dessas características que o senhor citou?
Greenstein – É possível ensinar uma pessoa a organizar um trabalho de equipe e a educar seu olhar para aspectos fundamentais da chefia, como técnicas para estimular funcionários e aumentar a produtividade. Gente especializada pode também dar conselhos a políticos para que desenvolvam uma comunicação mais eficiente. E só. Quem prometer mais estará mentindo. Não acredito em palestras que garantem produzir grandes líderes com teorias mágicas. Elas viraram febre e ganharam popularidade porque as pessoas se sentem cobradas a agir como líderes no ambiente moderno de trabalho. E o pior é que esses cursos propagam estereótipos de liderança que não correspondem à realidade.
– Quais estereótipos?
Greenstein – Propagou-se a idéia de que líder de verdade é o falante, piadista, competitivo e, de novo, o tipo agressivo. Os estudos nos melhores centros especializados do mundo mostram que o líder com a postura mais doce e tranqüila pode ser tão eficiente quanto o outro. Em meu último livro, descrevo a personalidade de onze presidentes americanos, e um deles, Dwight Eisenhower, que assumiu a Presidência aos 62 anos de idade, era visto como um avô afetuoso. No ambiente de trabalho esses não costumam ter vez. Pessoas de postura mais fechada são freqüentemente barradas na porta de entrada das grandes empresas. Embora os estudos demonstrem que esses possam ser líderes mais eficientes, acabam derrubados pelo estereótipo.


"O tipo mais comum de governante é aquele que apenas reage aos fatos. A maioria dos políticos que ocupam a cadeira de líder não atua como tal."

"Por definição, bons líderes são pessoas diferentes da média. Eles têm mais determinação que os outros. São mais eloqüentes que os outros. Sua presença é tão marcante que ficam na memória das pessoas. O gestual ajuda. Bons líderes costumam ter gestos largos e até teatrais. Usam as palavras com precisão cirúrgica, sabendo aonde querem chegar com um discurso."

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