sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Jornalista e escritor João Batista Melo faz uma análise sobre a história do cinema infantil nacional


O jornalista e escritor João Batista Melo fez as contas: entre 1908 e 2002 foram produzidos 3.415 longas-metragens brasileiros. Deste total, apenas 70 foram dedicados ao público infantil, sendo a metade assinada pelos Trapalhões. O levantamento faz parte de sua dissertação de mestrado “A tela angelical: infância e cinema infantil”, defendida em julho do ano passado no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O estudo mostra que grande parte destes filmes teve como inspiração os enredos e os personagens da televisão, ao contrário da produção de outros países: “O cinema infantil no mundo ocidental tem uma ligação histórica com a literatura infantil. Nos EUA e na Europa, por exemplo, ele surge a partir dos clássicos da literatura, da narrativa oral e dos contos de fadas, uma vez que o consumo por este tipo de leitura é bastante significativo entre o público infanto-juvenil. O que não aconteceu aqui no Brasil”.

A literatura infantil brasileira, de acordo com o escritor, pouco serviu de inspiração aos produtores de cinema pelo fato de não fazer parte do imaginário das crianças, embora o país tenha uma vasta, premiada e reconhecida literatura infantil. João Batista ressalta, no entanto, que os primeiros longas nacionais basearam-se na literatura, mas logo foram buscar histórias e personagens na televisão. “O espaço imaginário das crianças que era ocupado pelo livro passou a ser tomado pela televisão quando ela chegou ao Brasil. A soma do crescimento da TV, muito impulsionado pelos governos militares; dos problemas enfrentados pelo sistema educacional; e da falta do hábito de leitura entre as crianças contribuiu para que esta linha de produção cinematográfica fosse implementada pelos produtores”.

Qual foi o impacto deste tipo de produção nas gerações de crianças e adolescentes? João Batista diz que ‘infelizmente a produção teve pouquíssimo impacto tanto para o mal quanto para o bem’. Segundo ele, os filmes nacionais infantis não representaram nada devido ao seu pequeno número de obras. Porém, é preciso destacar que as histórias, por se inspirarem na televisão, numa indústria capitalista industrial, trouxeram e valorizaram características da sociedade contemporânea, como o consumo, o marketing e o individualismo. “Valores prejudiciais às crianças e que continuam sendo veiculados e disseminados nos dias atuais. A criança hoje tem cada vez mais espaço em nossa sociedade, no entanto, um espaço não como cidadão, mas como consumidora”, enfatiza.

Uma lógica que não é encontrada nos filmes que buscam inspiração na literatura infantil. Pelo contrário, nestes longas, é possível ver o olhar da criança, a sua expertise e o seu mundo, bem como valores positivos. Nestas obras, as crianças não são passivas nem meros coadjuvantes, muito menos tratadas de forma estereotipada.

De qualquer forma, pode ser atribuída à ínfima produção brasileira cinematográfica infantil a contribuição para a formação de platéias. João Batista não descarta esta possibilidade. “Talvez os adultos que hoje vêem Carandiru, Central do Brasil e Cidade de Deus foram as crianças que assistiram aos filmes dos Trapalhões ou da Xuxa”.

Para aumentar o número nacional de produções infantis, é preciso deixar de lado um antigo preconceito de que esta fatia de mercado é ‘algo menor’e ‘sem importância’. “Avaliação que se faz tanto para o cinema quanto para a literatura infantil brasileira. É sabido que, a cada ano, o volume de publicações e vendas do setor literário infantil cresce. Que o número de produções cinematográficas também vai no mesmo caminho. No entanto, os números ainda são inexpressivos”, ressalta.

Soluções mais concretas? João Batista não acredita em soluções mágicas da noite para o dia. Acredita, sim, em esforços individuais que somados fazem diferença. Reverter o quadro, segundo ele, passa por uma questão educacional, pela conscientização dos pais e, é claro, por maiores investimentos na literatura e na produção cinematográfica nacional voltada para o público infanto-juvenil.

Ele defende uma política governamental sistemática de investimentos na área. Na Dinamarca, por exemplo, 25% dos recursos do governo direcionados à indústria do cinema devem ser gastos em produções infanto-juvenis. O que acontece também, de forma similar, em outros países, como o Irã. “Se não houver um suporte governamental, o cinema infantil, infelizmente, não tem como se manter. Recentemente, boas ações foram deflagradas pelo Ministério da Cultura no sentido de incentivar a produção do setor. No entanto, foram distribuídos recursos apenas para curtas-metragens. Um início, mas pouco expressivo ainda”.

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